segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Mahayana, seu surgimento e seus sutras

Por Dhammarakkhitta
Muito me impressiona esta situação de desinformação e entendimento errôneo criada por aqueles que vestem um Mahayana moderno culturalizado (Tibetano, Chinês, Vietnamita ou Japonês) aqui no Ocidente e que torcem nariz para suttas e vinaya dos Theravada, e por vezes metem-se a propagar o entendimento incorreto de que a proposta principal de savakayana guardada no Theravada seria um caminho inferior, oposto aos postulados Mahayanas, contextualizado como sinônimo do que foi chamado de hinayana nos seus sutras exclusivos, redigidos em uma época de auto-afirmação como religião na Índia dos primeiros séculos da Era Cristã.

Sobre esta situação de desinformação, meu humilde entendimento é que antes de mais nada, deveriam àqueles que simpatizam com este caminho, este Budismo do Norte, ressalto, tão legítimo quanto o Budismo do Sul, esforçar-se para compreender o surgimento do Mahayana tal como temos hoje, em suas evoluções e involuções, e seu paralelo com o Theravada de hoje, e o contexto sócio-político em que ele surge, e então poder-se com a sinceridade e embasamento histórico suficiente, adotá-lo por completo.

Primeiramente, o Mahayana que existe hoje, não pode ser lido como algo oposto, superior ou inferior ao Theravada em proposta de fim do sofrimento, muito menos no Caminho de fruição deste despertar. A oposição e superioridade que guarda à um dito hinayana, refere-se e à uma terminologia primeiramente usada no Sutra da Lotus e outros Sutras Mahayanas relacionados a estes, redigidos entre o Segundo Concílio, 300-400AC, e a consolidação das escolas de pensamento Mahayana, até hoje existentes para fazer referência às escolas doutrinárias que não conversavam com o movimento Mahasanghika do em seus entendimentos doutrinários, mas específicamente em teorias filosóficas/abordagens fenomenológicas, defendidas por duas escolas que em doutrina estão já extintas: os Sarvastivadins e Sautrantikas.

Feito este esforço, este estudo, esta reflexão, o Mahayana pode sim ser então entendido, contextualizado, como uma nova proposta de budismo, surgida a partir de uma releitura do Caminho, proclamado por eles o Bodhisatva-yana, que toma por base as perfeições da mente, paramis, (destacando- a sabedoria), evidenciadas nos textos míticos dos Jatakas (histórias das 500 vidas anteriores o Buda, presente diga-se de passagem em todos os Cânones remanescentes, Theravada e Mahayana’s) e elaboradas por aqueles que adicionaram ao Cânone preservado no Norte, sutras e comentários em que o caminho do Boddhisattva é formulado, e o Buda e seus discípulos, mitificados, análisados abaixo de acordo com a data aproximada em que surgem nos registros históricos.

Tal processo deu-se por volta dos séc. I-IV AD, em um contexto sócio-político, em que o Budismo Indiano “de estado” - herdado pelas repúblicas/reinos que compunham Jambudvipa, nome ancestral da Índia, unificada no séc. II AC sob o reino de Ashoka, e remanescente da unificação em Vinaya da Sangha ocorrida cinco séculos antes pelo mesmo - estava em declínio e enfrentava crescente “competição” com a reformulação ortodoxa brâmanista que minou as raízes do Budismo na Índia e resultou por fim, através dos séculos e posteriores invasões e fragmentações de Jambudvipa, na extinção do Budismo por lá e instituição do Hinduísmo tal como temos hoje (com as denominações Shaivistas, Shaktistas, Vaishnavistas, and Smartistas).

Essa formulação do Budismo como religião, em um momento de declínio e constantes ameaças e influências externas, precisou fazer uso de uma nova roupagem que oferecesse maior abrangência ao público leigo, atendesse melhor a massa, fizesse mais sentido para àqueles que não poderiam adotar por completo a vida santa, monástica, e beneficiar-se da proposta simples e direta de constante e intensa dedicação à tríade suporte do Caminho, concentração-virtude-sabedoria.

Essa construção do Budismo então deu-se através i) da herança de uma afirmação enfática filosófica/fenomenológica referente aos Lokutaravadins – umas das antigas escolas do Budismo Indiano – da vacuidade intríseca da personalidade e das coisas; e da transcendência do Buda (lokuttara), que resultou posteriormente na abordagem dos três corpos, Trikaya, consolidada no séc. IV AD com a redação do Lankavatara Sutra, mais abaixo mencionado.

Vale ressaltar que este período da história asiática, séc I AC – IV AD foi marcado por forte interação e ondas de influências culturais, que ligavam os povos do que hoje chamamos de China, Índia, Iran, Afeganistão, Ásia Central, Mediterrãneo.

Ou seja, os missionários budistas de Ashoka, dois séculos Antes de Cristo, andaram por esta rota levando consigo o Vinaya e os Suttas, e nestes locais, houve segundo evidências históricas uma intensa interpolinização cultural – mitos, formulações doutrinais, sistemas de pensamento, modelos de conversão foram intensamente incorporados, compartilhados e reformulados – e isto explica em parte a leva de suttas míticos adicionados durante a consolidação do Mahayana, a partir do Budismo do Norte, nos quase cinco séculos de incubação e isolamento do Budismo do Sul, levado para o Sri Lanka por monges missionários da ordem Sthavira, que tinha a simpatia e principal patrocínio de Ashoka.

Desta forma, o Mahayana que temos hoje, e que não pode ser de fato unificado, é um conjunto de desenvolvimentos doutrinários e culturais que seguem mais ou menos a seguinte linha histórica:


1) Sec. I AC – IV AD, O surgir do Mahayana, ou Boddhisattva-yana, o período de redação de sutras


Uma abordagem principalmente pupular entre a comunidade laica, com viés mitológico do ponto de vista devocional do Budismo surge na Índia, a partir da i) crescente popularidade e propagação de textos míticos como os Jatakas - que enquadravam o Buddha Gautama em uma jornada espiritual de 500 existências, como um Boddhisattva, um Budha-a-ser, que culmina na Plena Iluminação (SamyaksamBuddh) deste, representando a perfeição na Sabedoria e manifestação máxima da Compaixão; e sutras que falam de um Buda, cuja manifestação física, no corpo, fala e gestos teriam qualidades semi-divinas – presentes também no Cânone Theravada tal qual hoje preservado; e ii) da consolidação de um budismo folclórico e crescentemente ritualizado, consequente do proselitismo oficiais de elites, reinos e impérios, como o de Ashoka, que construiu e consolidou em diversos povos e culturas diferentes monumentos (estupas, pilares, etc) com seus símbolos e gravuras da história de um Buddha ex-príncipe que renuncia à um reino de riquezas para a vida religiosa de generosidade e pregação do Dharma, a graça da Plena Budeidade.


A partir desta abordagem surgem grupos leigos e monásticos, separados daquela (Sthaviras) que foi para o Sri Lanka e lá ficou isolado de um mundo de fortes intercâmbios e interpolinizações culturais como o da Ásia Central, e que sustentavam esta leitura devocional e mítica, que tiveram seus postulados religiosos do que hoje entende-se como Boddhisattva-yana consolidados em Sutras como:


O Pratyutpanna Samadhi Sutra , ou Sutra sobre o Samadhi da presença de todos os Buddhas, surgido/redigido no I séc. AC no norte da Índia/Kashemir, que contém a primeira menção registrada de Amitabha Buddha e a noção da prática da recitação do seu nome por boddhisatvas (leigos ou monásticos), Nianfo em chinês, como fonte de méritos e consonância com o caminho do Boddhisattva.


Os Sukhāvatīvyūha Sūtra, Surangama Sutra, Amitabha Sutra e Sutra da Contemplação, surgem nos séc. I-III AD, dando as bases do que hoje é o Budismo Terra Pura, introduzindo a mitologia de Sukhavati, um reino místico ou terra pura localizado na direção Oeste e postulando treze práticas contemplativas de vizualização desta escola, também atualmente presentes e difundidas também no Budismo Tibetano:


i)contemplação do sol poente,
ii)da imensidão de grandes corpos d’água,
iii)do terreno puro de Sukhavati,
iv)das árvores de Sukhavati,
v) dos lagos de Sukhavati,
vi) dos vários objetos de Sukhavati,
vii) o trono de lótus do Buddha Amitabha,
viii)da imagem do Buddha Amitabha,
ix)do próprio Buddha Amitabha,
x) do Boddhisattva Avalokitshvara (Kuan Yin em chinês e Tchenrezi em tibetano), representado no disco solar,
xi) do Boddhisattva Mahāsthāmaprāpta (chamado tambémVajrapani), representado no disco lunar,
xii)da assembléia de aspirantes a adentrar Sukhavati,
xiii) da tríade de Sukhavati – Buddha Amitabha, Boddhisattva Vajrapani e Boddhisattva Avalokteshvara.


O PrajnaParamita Sutra, ou Sutra da Perfeição da Sabedoria, surgido/redigido e aprimorado ao longo dos séculos I e III AD, também no norte da Índia/Kashemir , que contém a seguinte postulação doutrinária: a) um discípulo budista deve tornar-se um bodhisattva (Buddha-a-ser), ou seja, objetivar o perfeito-conhecimento resultante da perfeição da sabedoria para o bem de todos os seres, e simultaneamente prega que b) sob a vacuidade de todas as coisas e qualquer personalidade/individualidade, não há, em última instância, análise, algo como um bodhisattva, perfeito conhecimento, seja como um “ser”, como uma perfeição da sabedoria ou como qualquer estado alcançado.
Vale aqui destacar que a idéia central por trás destas aparentemente contraditórias postulações do Prajnaparamita Sutra seria a do completo desatar, fora de conceitos, da existência, com paralelo ao entendimento de Nirvana guardado na doutrina Theravadin, mas que ultrapassa-o em formulação ao defender que não pode-se afirmar, nem mesmo em termos de verdade relativa, haver algo como o surgir e desaparecer de fenômenos condicionados, pois estes não teriam qualquer natureza inerente, e surgiriam basicamente das projeções da mente individualizada em um estado de auto-afirmação, existência, desnecessário e ilusório.
Este sutra constitui então a base do que construiu-se doutrinária e culturamente como o Mahayana tal como encontramos hoje, oferecendo um caminho para a iluminação que vai além os caminhos sravakayana ou pratykabuddha-yana, colocando a iluminação como já essencialmente presente e o caminho do boddhisatva alicerçado pela perfeição da sabedoria e que culmina no estado mais elevado de manifestação da compaixão, que é o estado de SamyakSambuddha, que ensina o Dharma para todos os seres de um mundo. Este mesmo sutra deu origem, em reedições posteriores ao que hoje conhecemos como Sutra do Coração e Diamante.
. Surge também o Saddharma Pundarīka Sūtra, o famoso Sutra do Lotus (sim, o Myōhō Renge Kyō de Nitiren!), no mesmo Império de Kushan, que é introduzido ao conjunto de Sutras da extinta escola Sarvastivada no Concílio reclamado por eles como sendo o quarto. Tal sutra, em resumo traz:


a) instruções extensas sobre o uso dos meios hábeis (upaya) em suas muitas parábolas;
b) a idéia de um Buda como uma entidade eterna que atingiu o despertar, nirvana, éons atrás e que faz o voto de permanecer na roda do nascer e morrer para o benefício de todos os seres, ressurgindo de tempos em tempos, revelando-se como o pai de todos os seres trazendo a estes o Dharma;
c) a consequente postulação de que, sendo esta entidade Eterna, o(s) Buda(s) são em natureza última imortais, e permanecem em contato com os Budas que continuam a surgir mesmo após serem “Parinirvanizados” ao fim de suas existências físicas;
d) o entendimento de que a vacuidade (sunyata) não seria a última visão a ser alcançada pelo aspirante de Boddhisatva (Buddha-a-ser), isto pois, a Sabedoria Búdica seria um gracioso tesouro que transcederia a mera visão de todas as coisas como vazias.
e) todo o seu texto fala diversas vezes que este sutra traz um ensinamento superior a todos os demais e anteriores à sua redação (ou surgimento no 4º Concílio de Kushan) mas nunca o define, assim, interpreta-se que a “plena Budeidade” dá-se através das verdades implícitas neste sutras, em suas diversas parábolas e na sistematização da ordem cosmológica exposta neste – um Universo Infinito de Budas Eternos, que voltam ao mundo quando querem, detentores de um tesouro gracioso de sabedoria búdica que trascende a vacuidade dos sutras mahayanas anteriores, e está acima de toda e qualquer formulação do Dharma anteriormente presente.
Este sutra foi redigido em conjunto com outros dois sutras, na introdução o Sutra dos Inumeráveis Significados, que em resumo traz uma exortação à observação da vacuidade em todas as coisas e leis naturais, e à conduta meritória, de acordo com o que prega o sutra, a verdade universal do Buddha, como meio de se acumular méritos que muda o mundo e a vida de quem o faz; e na conclusão o Sutra da Meditação sobre a Virtude Universal do Boddhisattva, que em resumo, traz uma proposta parecida com aquela do Sutra sobre o Samadhi da presença de todos os Buddhas (que fala sobre a recitação do nome de Amitabha), defendendo a repetição do sutra de Lotus, resultará no alcançar da Plena-Budeidade defendida no texto principal do Sutra de Lótus, enraizada em uma fé tríplice: i) fé na causalidade, principalmente no potencial causal de transformação de tudo pela conduta apresentada de forma suprema pelo Sutra de Lótus; ii) fé em que todos os caminhos direcionam para a mesma Budeidade, sendo o caminho do Sutra de Lotus é o mais elevado; iii) fé em um Buddha Original Eterno, grandioso, que é a força-vital sem fim do Universo, da qual somos parte e na qual temos origem.


O Vimalakirti Sutra, ou Sermão ao leigo Vimalakirti, pode ser localizado neste mesmo período e apresenta um entendimento do ensinamento Mahayana oposto a um Hinayana em um contexto de explicação da não-dualidade (advaita). Este sutra de forma única coloca os Arahants dos Sutras, Veneráveis Sariputra, Mogallana e Mahakassapa Theros como ouvintes, aprendizes de um mestre leigo e seguidor do boddhisatva-yana, Licchavi Vimalakirti, que ao ser solicitado pelo Boddhisattva Príncipe Manjushri a elucidar o ensinamento da penetração no princípio da não-dualidade fica em silêncio, sendo em seguida aplaudido pelo primeiro e pelo próprio Buddha. Este mesmo Boddhisatva Licchavi Vimalakirti viaja através de infinitos universos até o universo Sarvagandhasugandha onde encontra um Buddha chamado Sugandhakuta, que não ensina com sons ou idioma qualquer, mas sim através de perfumes, emanados de árvores-perfumadas, sob cada qual senta um boddhisatva, que ao alcançarem os narizes dos seres resulta-lhes um estado de concentração chamado de “origem de todas as virtudes dos boddhisatvas”. Lá ele pede ao Buddha Sugandhakuta sua mágica refeição perfumada para que alcance neste nosso universo, chamado Saha, a Plena-Iluminação de um SamyakSamBuddha.
À parte da construção mítica, o sutra tem fundamental importância por apresentar uma enumeração de dez práticas virtuosas dos bodhisattvas:


i) generosidade;
ii) moralidade;
iii) tolerância;
iv) esforço;
v) concentração;
vi) verdadeira sabedoria;
vii) apresentar àqueles que sofrem oito adversidades – miséria, imoralidade, ódio, preguiça, inquietação, falsa sabedoria, comportamento de uma mente obtusa – como superá-las;
viii) ensinar a estes mesmos o mahayana;
ix) vencer àqueles que não tenham desenvolvido os meios-raíz da virtude através dos meios-raiz da virtude;
x) e ajudar os seres sem interrupção através dos quatro meios de unificação.
Vimalakirti apresenta também as oito qualidades de um Boddhisatva, sistematizadas nas resoluções a serem guardadas por este:
i) 'Eu devo beneficiar a todos os seres, sem buscar nem mesmo o mais ínfimo benefício próprio'
ii) 'Eu devo tomar para mim todas as misérias/deméritos de todos os seres e dar-lhes em troca toda as raízes de virtude acumuladas por mim'
iii) 'Eu não devo guardar ressentimento por qualquer ser senciente'
iv) 'Devo regozijar-me em todos os boddhisattvas como se fossem eles o Mestre'
v) 'Não devo negligenciar nenhum ensinamento, tendo ou não ouvindo-o antes'
vi) 'Devo controlar a minha mente, sem desprezar os ganhos dos outros, e sem orgulhar-me dos meus próprios ganhos'
vii) 'Devo examinar minhas próprias faltas e não culpar outros por suas próprias faltas'
viii) 'Devo aprazer-me em estar conscientemente atento e verdadeiramente adotar todas as virtudes'


Em um trecho bastante ilustrativo, o sutra afirma que em certos planos-búdicos, terras sagradas, a Budeidade é alcançada através dos bodhisattvas (como o universo o nosso universo, Saha), de luzes, de árvores da iluminação, da beleza física/estética e marcas de um Tathagatha, de mantos religiosos, da bondade, da água, de jardins criados, de palácios erguidos, de mansões construídas, de encarnações mágicas, do espaço vazio, de luzes no céu. Uma alegoria que poderia ser compreendida como validação de diversas formas de devoção ao Budismo presente na época (e até hoje), como válidas, pelo menos em algum dos infinitos planos-búdicos. Em outro texto o sutra apresenta figuras da mitologia mahayana como Buddha Akshobhya, do universo Abhirati, um plano búdico de maravilhas esplêndidas.
Em resumo, o boddhisattva-yana é exaltado, neste sutra, como o mais belo dos caminhos - mesmo entre os diferentes caminhos dos diferentes, infinitos e infinitamente maravilhos planos-búdicos existentes. O savakayana dos Arahants e pratyekabuddha-yana são inferiorizados como caminho de detentores de falsa sabedoria, aos quais o Mahayana deve ser ensinado. E nas linhas de conclusão, o bodhisattva Maitreya em pessoa garante que quem acreditar nos ensinamentos deste sutra penetrará nestes e será sustentado por sua benção sobrenatural.


O Avatamsaka Sutra, Sutra da Guirlanda de Flores, também surge nesta época, descrevendo um universo de infinitos reinos que contém mútuamente uns aos outros, uma alegoria fantástica da postulação da interdependência de todos os fenômenos – a folha da árvore contém o solo e a água do rio, etc.
Neste sutra, tambémsão apresentados os dez estágios (bhumis) de progresso de um boddhisattva até a Plena Budeidade:


i) estágio da determinação inicial,
ii) estágio do preparo do terreno,
iii) estágio da ação prática,
iv) estágio do nobre nascimento,
v) estágio da plenitude da habilidade nos meios,
vi) estágio do correto estado da mente,
vii) estágio do não-retorno,
viii) estágio da natureza jovial,
ix) estágio do prícipe do ensinamento,
x) estágio da coroação heróica.
Notem que o Dez Quadros do Pastoreio do Boi é uma elaboração até hoje ensinada no Zen, feita a partir destes dez estágios do progresso do boddhisattva, esta elaboração foi popularizada também no ocidente também por Chogyam Trungpa.


O Samdhinirmocana Sūtra, ou Sutra do Fluxo Contínuo da Emancipação, redigido entre o séc. III e IV AD, é um texto fundamental da escola filosófica Yogacara, ou Consciência-Apenas. Neste sutra há uma série de diálogos entre o Buddha e Boddhisattvas que buscam de forma completa e explícita expôr o ensinamento sobre a verdade última, que daria fim às incompatibilidades das postulações presentes em sutras anteriores, com a postulação dos Três Giros da Roda do Dharma, sendo o primeiro a enunciação do Savakayana (preservado no Theravada), o segundo a doutrina da vacuidade (herdada pelos Mahayana dos Lokuttaravadins) e o terceiro a doutrina deste mesmo sutra, que explica a verdade relativa dos fenômenos como projeções de uma consciência estratificada cujo alicerce conceitual é a existência uma consciência repósitária eterna, alaya-viññana, e aspecto prático é uma meditação de direto observar de tal estratificação que permite o direto conhecimento desta consciência infinita e a suprema sabedoria resultante disto.
O sutra também apresenta uma postulação de três características de todos os fenômenos, a partir desta consciência estratificada: i) conceitualização simples, através da identificação provisória em nomes necessária à comunicação; ii) originação co-dependente, através da qual todo e qualquer fenômeno é mútuamente e co-dependentemente existente, condicionado, ou seja cada um dos doze elos de originação co-dependente relacionam-se entre si, não sendo limitados ao encadeamento postulado pelos sutras anteriores; e iii) característica perfeita da realidade, a talidade, a direta e perfeita existência tal o é de todas as coisas.


.O Lankavatara Sutra, ou Sutra do Sri Lanka, foi fundamental ao desenvolvimento do que na China foi chamado de Ch’an; no Japão, Zen; no Vietnam, Tien; e na Koreia, Son. Este Sutra relata o encontro do Buddha com o bodhisatva Mahamati e apresenta também a postulação de uma estratificação da consciência individual em níveis, que tem como base, ligação com o cosmos, um porão, ou consciência-base, alaya-viññana, conforme as seguinte níveis, faculdades:


.   sentido da visão
.   sentido da audição
.   sentido do paladar
.   sentido do olfato
.   sentido do corpo/tato
. centro do sentidos (mano-viññana), que apreende os eventos psíquicos e sintetiza as experiências dos sentidos acima
. centro de individualização, do egoísmo (manas), profundamente enraizada e objeto de apego ao qual a personalidade construída agarra-se à concepção egoísta da realidade de um mundo externo; onde todas as idéias egoístas, opiniões, arrogâncias, auto-amor, ilusões são “fermentadas”, proliferam, origem de toda a delusão
. centro de estocagem da “ideação”, repositório eterno do qual pode ser extraída a substância de qualquer imagem ou idéia possíveis, um paralelo com maiores implicações espirituais práticas do que a teoria contemporãnea do inconsciente coletivo de Jung.


Este sutra também apresenta a doutrina básica Mahayana de Trikaya, dos três corpos ou dimensões da Budeidade: i) Nirmanakaya, manifestação material, acessível aos não-iluminados; ii) Samboghakaya, manifestação celestial, simbólica e arquétipica da Budeidade, acessível àqueles boddhisattvas devidamente desenvolvidos espiritualmente; e iii) Dharmakaya, dimensão transcendental, além de nomes e formas, acessível somente àquele boddhisattva que atinge a Plena Budeidade. Tal doutrina do Trikaya, é explorada também nos sutras, Samādhirāja Sūtra, que analisa a dimensão transcendental da Budeidade, Dharmakaya; e no Suramgamasamadhi Sutra, que analisa o Buddha como desfrutando do mais elevado estágio de progresso de um boddhisattva, tendo alcançado a Plena Budeidade, manifestando-se simultãneamente no nosso universo, e em todos os infinitos sistemas cósmicos, sendo capaz de realizar 100 milagres ou super poderes – projetar 84.000 réplicas idênticas de si próprio, igualmente reais, emitir raios de luz em todas as direções, em todos universos, etc.
Tal estratificação da consciência, juntamente com a afirmação de uma Natureza Búdica transcedental com seus três corpos ou dimensões, constitui um sincretismo entre a postulação do Samdhinirmocana Sūtra e do Tathagathagarbha Sutra mais analizado abaixo.


O Samantabhadra Sutra, ou Sutra sobre o Boddhisattva Samantabhadra, personagem mencionado em outros sutras como o Avatasaka Sutra e Saddharma Puṇḍarīka Sūtra. Em linhas gerais, o sutra postula que a sabedoria existe para ser colocada em prática, benéfica somente quando beneficia à todos os seres. Em suma, uma exortação ao princípio do voto de boddhisattva, que busca a perfeição da sabedoria para o benefício de todos os seres. Neste mesmo sutra estão listados os dez votos de Samantabhadra:


i) Prestar homenagens e respeito à todos os Buddhas
ii) Elogiar a todos os Buddhas
iii) Ser generoso e abundante nas oferendas
iv) Arrepender-se de má ações e livrar-se do mau karma
v) Regozijar-se nos méritos e virtudes dos outros
vi) Pedir aos Buddhas que continuem ensinando o Dharma
vii) Pedir aos Buddhas que continuem presentes no mundo
viii) Seguir a todo momento os ensinamentos do Buddhas
ix) Acomodar e beneficiar a todos os seres
x) Transferir todos e quaisquer méritos e virtudes à todos os seres.


Os sutras sobre o Tathagatagarbha, o Tathagatagarbha Sutra, Srimala Sutra Mahaparinirvana Sutra em sua versão Mahayana, trazem a postulação direta de uma Natureza Búdica, presente em todos os seres como um potêncial destes liberarem-se. Estes sutras apresentam uma leitura positiva da vacuidade (sunyata), que beira ao monismo da tradição Brâmane, e afirma uma Budeidade atemporal, real, composta de pura virtude, já presente em todos os seres e a ser manifesta através da purificação espiritual das impurezas que à obscurece. Tal postulação é claramente defendida nestes sutras como a doutrina última e definitiva (nitartha), superior a todas as demais.

O Lankavatara Sutra, analisado anteriormente pode ser entendido como uma formulação sincrética do Tathagatagarbha e da consciência-repositória eterna, permitindo a leitura de que o substrato de toda a realidade, em seu aspecto último seria tal como um espelho luminoso, infinito e perfeitamente límpido, existente no substrato último de todos dos seres.
Lembremos que, o local onde tais sutras foram redigidos/surgiram era na época, norte da Índia e planaltos da Ásia Central, uma zona de intenso intercâmbio cultural entre povos e suas culturas, desde o Mediterrãneo até a China.
Estes sutras são em grande parte o alicerce do que hoje chamamos Mahayana, e estavam na mão do Venerável Lokaksema, responsável pela primeira leva, e de outros peregrinos que, a partir de Gandhari (atual Kashemir), promoveram o Budismo do Norte que existia e se consolidava sob patrocínio de elites como a do império de Kushan, que ocupava uma faixa ampla de terras do que hoje é Afeganistão, Pakistão e Norte da Índia, para a China no II séc. AD;
Todos os tratados filosóficos de autores como Nagarjuna, Vasubhandu, Chandrakirti, Shantideva, Asanga, etc, tiveram por base, em grande parte, tais sutras, em suas mais diversas versões e estágios de redação.
Concluo então este texto inicial deste post que chamo de “Mahayana, seu surgimento e seus sutras” com um convite aberto para quaisquer correção necessária seja apontada, e apresento as seguintes perguntas para os leitores deste blog:
1) Você, que se diz Mahayana, já tinha conhecimento desta lineridade histórica e lido sobre todos estes principais sutras e seus conteúdos?
2) Seus mestres, quando lhe ensinaram sobre o caminho do Boddhisattva, o Mahayana, fizeram alguma contextualização histórica do surgimento desta proposta espiritual em seus momentos históricos e sutras fundamentais? Qual a importância que você vê nesta compreensão?
3) Como podemos explicar o contraste entre os sutras preservados nos Agamas Chineses, com fortes parelelos com os sutras preservados no Sutta Pitaka do Cânone Theravadin, e estes sutras que constituem de fato o alicerce do que é hoje o Mahayana?
4) Mais específicamente, como você percebe o contraste na redação dos sutras mahayanas que menciono acima, ricos em mitologias e explícita hierarquização do Boddhisattva-yana como superior às demais vias para o fim do sofrimento – savakayana e pratyekabuddha-yana?


Links/Fontes:
Postado há 17th June 2009 por Dhammarakkhitta


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